“A sala geral do estudo tinha inúmeras portas. Aristarco fazia aparições de súbito a qualquer das portas, nos momentos em que menos se podia contar com ele. Levava as aparições às aulas, surpreendendo professores e discípulos. Por meio deste processo de vigilância de inopinados, mantinha no estabelecimento por toda a parte o risco perpétuo do flagrante como uma atmosfera de susto".
Outro recurso da disciplina é o seu pequeno mecanismo penal, dotado de peculiares características. O sistema de penalidades e punições do regime disciplinar rege-se, antes de tudo, pelo sistema de gratificação-sanção, através do qual todas as condutas são qualificadas a partir de valores maniqueístas. Isto faz com que o poder disciplinar hierarquize e julgue os indivíduos através de suas condutas. No Ateneu também está presente esse sistema de recompensas:
“A cada lição julgada boa, o professor assinava um papelucho amarelo, bom ponto, e entregava ao distinto. Dez prêmios destes equivaliam a um cartão impresso, boa nota, como dez vezes vinte réis em cobre valem um níquel de duzentos”.
No romance também podemos notar exemplos de punições às consideradas condutas inadequadas, as quais vão desde ajoelhar-se no chão e fazer exercícios de escrita, até ser preso na chamada cafua. Sérgio descreve-nos:
“O chão era de terra batida, mal enxuta. Impressionava logo um cheiro úmido de cogumelos pisados. Com a meia claridade dos respiradouros, habituando-se a vista, distinguia-se no meio uma espécie de gaiola ou capoeira de travessões fortes de pinho. Dentro da gaiola um banco e uma tábua pregada, por mesa. Sobre a mesa um tinteiro de barro. Era a cafua. Engaiolava-se o condenado na amável companhia dos remorsos e da execração; ainda em cima, uma tarefa de páginas para a qual o mais difícil era arranjar luz bastante."

O mecanismo penal do sistema disciplinar marca os indivíduos e estabelece os chamados “desvios”, ou seja, aqueles que não conseguem se adaptar ao sistema e servem de referência negativa em relação aos demais. A disciplina, deste modo, procura ao máximo tornar submissos e homogêneos os indivíduos controlados, através da chamada “sanção normalizadora”. No dizer de Foucault:
“distribuir os alunos segundo suas aptidões e seu comportamento, portanto segundo o uso que se poderá fazer deles quando saírem da escola; exercer sobre eles uma pressão constante, para que se submetam todos ao mesmo modelo, para que sejam obrigados todos juntos ‘à subordinação, à docilidade, à atenção nos estudos e nos exercícios, e à exata prática dos deveres e de todas as partes da disciplina’. Para que, todos, se pareçam.”
O ponto máximo dos dispositivos disciplinares, no entanto, é o exame. Ele combina as técnicas da vigilância com a sanção normalizadora. O exame controla os indivíduos através de sua qualificação e classificação. Para os alunos, torna-se algo assustador, e não é diferente com Sérgio:
“A estréia do primeiro exame foi de fazer febre. Três dias antes pulavam-me as palpitações; o apetite desapareceu; o sono depois do apetite; na manhã do ato, as noções mais elementares da matéria com o apetite e com o sono.”
Os principais mecanismos dessa forma de poder disciplinar manifestam-se no Ateneu. O exame é o poder que se exerce de maneira invisível, tornando visíveis os súditos, oferecidos como objetos aos olhos do público e do examinador.
Outra característica do exame, além de submeter os indivíduos ao olhar dos demais é a documentação extensiva da individualidade. Nas palavras de Foucault:
“O exame que coloca os indivíduos num campo de vigilância situa-os igualmente numa rede de anotações escritas; compromete-os em toda uma quantidade de documentos que os captam e os fixam. Os procedimentos de exame são acompanhados imediatamente de um sistema de registro intenso e de acumulação documentária”.
Enfim, toda a base de poder disciplinar deste sistema educacional fabrica, como foi possível observar, alunos oprimidos, amargurados e, muitas vezes, vingativos.

Por um modelo de educação que não pode persistir...