domingo, 15 de março de 2009

Patch Adams & Rubens Paiva

Vou postar um vídeo e um texto que me chamaram a atenção neste fim-de-semana. Como se poderá observar, eles não têm nada a ver um com o outro. No entanto, um olhar mais atento verá que se complementam perfeitamente.

Entrei em contato pela primeira vez, apesar de já ter ouvido falar anteriormente, com a entrevista dada ano passado pelo médico norte-americano Patch Adams (o mesmo que inspirou o filme de Hollywood) no Roda Viva, da TV Cultura. Vou colocar um trecho, mas o ideal é assisti-la por inteiro (tem no Youtube). Mais do que uma pessoa que procura trazer alegria para dentro do hospital e melhorar a relação médico-paciente, Patch Adams mostra ter uma visão ampla da sociedade atual, e traz idéias para transformá-la.



No sábado, saiu a coluna do Marcelo Rubens Paiva, no Estadão. Ao contar um pouco de sua infância no Rio de Janeiro, ele faz uma reflexão sobre a sociedade e política brasileiras dos últimos anos. Vale a pena ler e pensar a respeito de sua interpretação:

Aos 6 anos me mudei para o Rio de Janeiro. Meu pai fugia do estigma de paulista comunista inimigo da ditadura. Cassado e exilado dois anos antes, no Golpe de 64, voltou para o Brasil clandestinamente e imaginava ter menos visibilidade e mais oportunidades na Guanabara.

Moramos no Leblon, a três quadras da Favela do Pinto. Na época, o bairro não tinha o status de hoje. Havia a favela dentro e um conjunto popular que assustava a elite, a Cruzada, o primeiro do gênero - criado por Dom Hélder Câmara. Bacana era morar em Ipanema e Copacabana.

Jogávamos futebol na rua. Eventualmente o jogo era interrompido:"Olha o carro." A regra era parar imediatamente. Cada rua tinha um time, com moradores da favela. A maior glória era jogar no campinho de terra da Cruzada. Lá, havia torcida e o campeonato era definitivo.

Minha rotina era de uma paz que nunca mais encontrei. Vivia na ex-capital do país, mas era como se eu estivesse numa pacata vila.

Eu circulava pelo bairro de bicicleta. Muitas vezes, tinha de parar para cumprimentar e papear com os amigos. Nunca fui assaltado. Nunca sofri qualquer tipo de violência. Psicopatia social não estava em nossos dicionários.

Pulávamos o muro do Clube Paulistano, para jogar bola. Depois, dividíamos o milk-shake com os que não tinham dinheiro. Enfiávamos vários canudinhos num mesmo copo e contávamos até três. Sorte daqueles que, com bons pulmões, conseguiam sugar mais rapidamente o sorvete.

No domingo, lotávamos uma Kombi para ir ao Maracanã, assistir ao Flamengo de Fio Maravilha, time do bairro. Os pais se revezavam. O meu nos levou certa vez. Ficou surpreso com a quantidade de palavrões que conhecíamos.

Num dia de semana a praia amanheceu apinhada. Toda a favela correu para lá. Estavam chamuscados. Crianças choravam. Carregavam seus pertences. Na água, bonecas com fuligem. A favela tinha pegado fogo. Foram os militares, diziam. Até hoje pairam dúvidas. Viram helicópteros sobrevoando a favela na noite da tragédia.

O tumulto durou uns dias. Certa manhã, tomávamos café, e um grupo de moleques invadiu nossa casa. Não falaram nada. Foram pra geladeira e comeram com as mãos o que encontraram. Nem nos levantamos da mesa.

Enfim, foram removidos. O filme "Cidade de Deus" começa com os favelados chamuscados chegando à sua nova moradia, coincidentemente recém-inaugurada.

O terreno abandonado foi aterrado em tempo recorde. Em meses, subiram prédios de até 17 andares. Os apartamentos foram comprados exclusivamente por militares, que receberam empréstimos descontados diretamente da folha de pagamento (soldos). O condomínio, que se estende por grandes quadras, com uma praça no meio, recebeu o apelido de Selva de Pedra, em homenagem à novela da Globo que fazia sucesso.

A especulação imobiliária expulsou o democrático futebol de rua. Enviaram os pobres para os guetos. E o convívio pacífico virou poeira.

2 comentários:

Camila Rodrigues disse...

EXCELENTE, ALÊ!

felício disse...

como assim não tem nada a ver?
tem tudo a ver os dois. mas eu achei muito radicalismo, um exagero
será que não dava para ser mais imparcial?